quarta-feira, 1 de junho de 2011

Autismo: Encontro com a Secretaria Municipal de Saúde

Foi realizado na tarde de ontem um rápido encontro de uma representante da Coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde com um pequeno grupo de pais cujas famílias são atendidas (ou deveriam ser atendidadas) pelas unidades de saúde pertencentes à Regional Norte da Prefeitura de Belo Horizonte. O objetivo do encontro era o de ouvir as demandas desses pais que, em audiência pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte no último dia 4 (onde ela também esteve presente), manifestaram profunda insatisfação com o atendimento público de saúde que seus filhos autistas recebiam. A funcionária atende pelo nome de Juliana Daher. Não sei qual a função específica dela na Coordenadoria de Saúde Mental, mas para nossos propósitos esse tipo de informação é absolutamente irrelevante, por isso não farei o menor esforço para descobrir. Juliana Daher é apenas mais uma figura estóica da PBH que eventualmente se dispõe a ouvir demandas que para todos os efeitos práticos não existem. Não é que não reconheçam problemas, mas para a PBH esses são invariavelmente pontuais e podem ser resolvidos individualmente, por meio de pequenas correções de coordenação. Nesse contexto, demandas reais de que os serviços formais oferecidos são insuficientes não existem na prática, e esses poucos fantasmas que reclamam exageram na intensidade ou são utópicos e irrealistas demais para serem levados a sério. Ainda assim, guardemos o nome dela: Juliana Daher. Para todos os efeitos, essa foi a cara da PBH ontem, e será conveniente, ao menos nos limites deste texto, substituir “Prefeitura de Belo Horizonte”, tão impessoal e abstrato, por Juliana Daher, a figura estóica e genuinamente interessada em ajudar, mesmo quem de fato não precisa de ajuda ou nunca poderá receber o tipo de ajuda que diz desejar.

As demandas das 3 famílias que foram ouvidas ontem (está aí o número representativo de pessoas que Juliana Daher convidou a participar – está aí o número de amostras que a prefeitura, ops, que Juliana Daher, parece achar suficiente para diagnosticar uma situação e tomar decisões) foram coletadas separadamente, em contatos de 20 a 40 minutos cada. É como se as reclamações de pais cujos filhos autistas são atendidos dentro de uma mesma regional, ou, mais precisamente, por uma mesma equipe multidisciplinar que trabalha dentro de um mesmo centro de saúde, pudessem ser tão diferentes. Seria também um temor de que 3 pessoas em conjunto poderiam cobrir mais rapida e eficientemente seus argumentos frágeis? Curiosamente, eu não pude participar desse encontro. A Prefeitur... Juliana Daher, claro, assim como todo o serviço público municipal, deve se espantar com a existência dessas pessoas que usam o horário comercial (ou qualquer horário que seja) de forma produtiva, ao invés de permanecerem indefinidamente em filas de atendimento em Centros de Saúde ou de atenderem a “chamada ao diálogo” com representantes da prefeitura, ao “fala, que eu te escuto” oficial, que facilmente antecipamos como infrutíferos. Desse modo, minha esposa foi incumbida da infeliz tarefa de deixar os filhos em casa aos cuidados da avó paterna, e falar a e, pior, ouvir Juliana Daher. Portanto, o que escrevo tem por base as impressões emitidas por minha esposa, mas eu facilmente me imaginei não tendo ultrapassado os primeiros 5 minutos de conversa, dada a configuração tão clara de inutilidade com que parece ter sido levada desde o início.

Nossas demandas foram apresentadas formalmente, assim como as dos outros 2 pais. Ou melhor, nem eram nossas demandas pessoais específicas, mas propostas de ação, de (às vezes) pequenas medidas com potencial de mudar o status geral da atenção ao autismo na cidade. Não acreditamos no poder de soluções individualizadas nesse caso. O que poderiamos conseguir? Subir de uma para duas sessões semanais de terapia apenas para essas 3 famílias? A qual custo? O silêncio? Por quanto tempo? Até a próxima transição de poder na prefeitura? Ou mesmo antes disso, em um ajuste orçamentário? Acho que também já ficou claro que não acreditamos e não respeitamos a privacidade de informações de utilidade pública. Não admitimos a hipótese de não expor ou moderar nossas opiniões em nome de um receio abstrato de que o poder público poderia retaliar, negando atendimento, reduzindo ainda mais sua qualidade ou desistindo de benefícios individuais que pensava oferecer. Não, continuaremos a emitir nossas opiniões, com todas as palavras fortes que porventura se façam necessárias, e continuaremos a receber o atendimento que já recebíamos e a exigir aquele que nos é de direito, independente dos meios a que porventura precisemos recorrer. Nós temos esses meios à disposição e sabemos como recorrer a eles.

Voltando ao contato inútil, a princípio, Juliana Daher foi radiantemente simpática e começou a conversa deixando clara a informação absolutamente irrelevante sobre o nível com que ela amava o que fazia. Já uma maneira esquisita de começar uma conversa com um desconhecido que não está nem um pouco interessado em uma relação de amizade ou tem obrigação a ter qualquer nível de simpatia por você, porque foi ali para cobrar alguma coisa. A princípio, uma terapeuta ocupacional, Juliana Daher já trabalhou em uma reconhecidamente competente clínica (particular) de reabilitação na cidade (onde minha filha também já foi atendida), com experiência no atendimento a autistas, e agora “milita” na prefeitura, onde coordena ou ajuda a coordenar uma rede de profissionais de saúde mental que precisam atender uma grande variedade de demandas. Eventualmente, também faz parte dessa “militância” junto à prefeitura reservar tempo para ouvir, aos sorrisos, as poucas vozes reclamantes e fornecer justificativas fúteis e potencialmente anestesiantes. Agora me pergunto a exatamente o que ela se referia quando disse que amava o que fazia, se aos atendimentos como terapeuta ocupacional, ou se a atual “militância”. Provavelmente à segunda, o que, infelizmente, mina boa parte do bom profissionalismo que ela possivelmente exibia durante seu período produtivo. Não sei porque uso aspas em militância, porque o tipo de atuação a que esse tipo de funcionário público é preciso recorrer tem diferenças muito pequenas à uma militância político-ideológica tradicional.

Funcionários da Prefeitura de Belo Horizonte parecem ter uma capacidade bastante peculiar de combinar (singular e competentemente) simpatia e suposta disposição a ouvir a sociedade, com uma espécie particular de cinismo que pretende tornar naturais todos os problemas apresentados, na tentativa de dar a todos eles quase um status de "fatalidades da natureza humana", que só podemos corrigir na margem, não havendo a menor possibilidade de uma mudança estrutural. Assim, "psicólogos da linha comportamental podem ser quase tão inúteis aos autistas quanto os da linha analítica". O que pode ser facilmente interpretado como o seguinte: na prática, o problema é que a maior parte dos psicólogos que fazem parte da rede municipal é ruim demais para ser útil a qualquer autista, independente da sua linha de ação.

Juliana Daher alertou que a PBH não pode (ou não quer?) exigir linhas de atuação específicas ou experiências especificas nos editais de contratação de profissionais para a rede de saúde mental. Disse que o profissional, seja qual for sua formação e experiência, é obrigado a lidar da melhor forma que encontrar com qualquer tipo de demanda que aparecer. Ela não mencionou sequer algum tipo de apoio técnico que pudesse ser dado, como palestras com especialistas, disponibilização de material técnico para estudo, ou cursos de introdução à técnicas específicas de terapia para autistas. É curioso, porque sabemos de casos de psicólogos comportamentais que oferecem gratuitamente na cidade cursos introdutórios em ABA para pais de crianças autistas. Também não houve qualquer menção à qualidade dos profissionais que fazem parte dessas equipes multidisciplinares, independente de suas formações e experiências. Não é difícil imaginar o tipo de profissional que pode se sentir suficientemente atraído por esse tipo de proposta e condições de trabalho, pessoas que, no dia a dia, ainda são obrigadas a ouvir seus gerentes regionais de saúde e, com sorte, alguma Juliana Daher que ao menos possa apresentar um sorriso junto às cobranças.

sábado, 14 de maio de 2011

AMA-MG?


É relevante discutir o papel da principal instituição (não-governamental) voltada para os autistas neste estado: a AMA-MG.

Segundo palavras da própria (e de longa data) presidente na audiência pública do último dia 04 na Câmara Municipal de Belo Horizonte, diferentemente das outras AMAs ao longo do país, a mineira OPTOU, já há muito anos, por não oferecer serviços aos autistas, preferindo concentrar esforços em pressionar politicamente o poder público a cumprir (sozinho) o seu papel no atendimento. Essa posição também estaria sendo defendida junto à Associação Brasileira de Autismo (ABRA), pela presidente da AMA-MG.

Posteriormente, tomei conhecimento de outras supostas razões para que a prestação de serviços antes realizada pela AMA-MG tenha sido interrompida. Entre elas, teria havido suspensão do financimento público e retomada do espaço físico cedido pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). No entanto, é curioso como essas informações não estavam disponíveis quando, no ápice do desespero com o recém-diagnóstico de nossa filha, procuramos, logo de cara, a AMA, que é referência sobre autismo em todo o país. Não havia (e não há) no site oficial mantido pela instituição explicações sobre a ausência de serviços, ausência de informações para os pais, ausência de uma sede física real, ou sobre as atividades com o que a AMA-MG esteve envolvida nos últimos. Não havia (e não há) um email real para contato, e há relatos de pessoas que tiveram suas mensagens sistematicamente ignoradas pela presidente da instituição.

Por outro lado, também não tenho qualquer informação sobre os resultados dos esforços supostamente realizados pela AMA-MG no sentido de cumprir a função que optou por exercer. Mesmo se ignorarmos os resultados, também não encontraremos informações sobre o que de fato tentaram fazer, isto é, sobre as estratégias adotadas. E aqui talvez estejamos falando de quase uma década dedicada a essa linha de ação.

Acho perfeitamente compreensível que as poucas pessoas que provavelmente levavam (sozinhas) a AMA-MG nas costas tenham sucumbido às realidades mutantes de seus filhos autistas rumando para uma adolescência mais conturbada que a média, à particular falta de apoio do poder público em nosso estado, e à falta de interesse e motivação dos próprios demandantes, que é especialmente perniciosa por aqui (e alimenta o descaso da PBH). Eu entendo e aceito que a AMA-MG não tenha "dado certo". Eu não culpo os seus integrantes por isso. Na verdade, me solidarizo.

Mas não posso perdoar a falta de transparência. A "marca" AMA continua sendo usada por aqui, embora não passe de um fantasma. As informações sobre a retirada do apoio público às antigas atividades da AMA-MG só foram reveladas, extra-oficialmente, após uma provocação, e por alguém que sequer faz parte da sua diretoria. Por que isso foi e é escondido? Porque a instituição não está compartilhando a culpa?

É curioso como essa situação de certo modo parece refletir a postura da PBH de que o não surgimento de uma demanda formal pode ser oportunisticamente interpretado como ausência de problema. É como se os integrantes da AMA-MG agissem como se não tivessem nascido mais autistas depois dos seus próprios filhos?

Minha esperança é que apareça alguém para se defender e dizer que estou sendo injusto porque desconheço a situação. Se essa for a única maneira de fazê-los aparecer e reagir, não me incomodo.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Autismo: Audiência Pública na CMBH.

Audiência pública realizada ontem na Câmara Municipal de Belo Horizonte (Comissão de Saúde e Saneamento), sobre o atendimento público de saúde para autistas.

A única observação relevante que posso fazer é sobre o modus operandi tradicional do poder público, que vimos mais uma vez - embora sem surpresa alguma -, desta vez refletidos nas declarações dos representantes da Secretaria de Saúde da PBH.

Há uma série de "avanços" realizados pela administração atual, especialmente uma expansão "vertiginosa" da rede de atenção à saúde mental. Essa expansão, no entanto, é apenas quantitativa, e ainda assim existe um nível significativo de maquiagem aplicado ao números divulgados. Supostamente, há ao menos um psicólogo em cada um dos 147 centros de saúde da cidade. Mas sabemos que esses psicólogos têm baixíssima disponibilidade de atendimento, porque um único profissional é compartilhado por diversos centros de saúde, às vezes cobrindo mais de uma regional. Outro aspecto é que esse psicólogo é obrigado a atender todo tipo de caso que a ele se aplique, independente de sua formação e experiência. A capacitação dessas pessoas também é francamente contestável. Que tipo de profissional seria atraído por um cargo que oferece essas condições de trabalho um nível salarial insuficiente?

Supostamente, todas as regionais contam com uma equipe multidisciplinar (ou Equipe Complementar) de atendimento terapêutico à saúde mental. Mais uma vez, há o problema do número insuficiente de profissionais e, consequentemente, da baixíssima frequência de atendimentos que eles podem oferecer a cada paciente. Um mesmo terapeuta é obrigado a varrer diversos centros de saúde e regionais ao longo da semana, atendendo um número absurdamente alto de pessoas. Sem qualquer qualificação para isso, precisam lidar da maneira que podem (criativamente?) com uma grande diversidade de casos. Também não é verdade que cada equipe complementar possui um psiquiatra INFANTIL.

Ao ver a reação de surpresa aparentemente sincera que representantes da prefeitura invariavelmente fazem ao ouvir relatos de usuários sobre o não funcionamento da rede municipal de saúde eu só posso pensar em duas possibilidades não mutuamente exclusivas.

1) Eles estão sendo ENGANADOS pelos gerentes dos centros de saúde e pelos gerentes regionais de saúde, que falsificam dados sobre desempenho.

2) Eles estão indevidamente tomando como equivalentes "não existência de demanda FORMAL" e "inexistência de problemas".

É absurdo achar que "abrir as portas" é o melhor a fazer. A MAIOR PARTE das pessoas nesta cidade sequer tem CONSCIÊNCIA de suas próprias necessidades. A maior parte das pessoas nesta cidade parece achar "feio" reclamar ou o fazem entre si mas não tem a menor disposição em usar os meios adequados para formalizar suas demandas. A maior parte das pessoas nesta cidade parece até se orgulhar de seu estoicismo e de sua capacidade de "aguentar o peso que lhes foi colocado nas costas".

É desse quadro patético que as administrações municipal e estadual têm se aproveitado para, ciclo após ciclo, construir níveis estratosféricos de popularidade e aprovação, sempre no topo do ranking entre as capitais e estados brasileiros.

Se a Prefeitura de Belo Horizonte usará como avaliação de seu desempenho apenas os níveis de (in)satisfação percebida pela população então não teremos mais o que fazer. Será melhor pegarmos nossas pastinhas e irmos para casa e nossos trabalhos, cuidar de nossas vidas individuais. Me desculpem os que se orgulham de Belo Horizonte, mas, dada essa maneira de pensar da média da população, não existe o menor motivo para isso. E é exatamente quando vocês batem no peito e bradam o orgulho de ser belohorizontino que nossos administradores, sentindo-se irmanados nessa mesma paixão, comemoram e divulgam os números de nosso avanço. Números que nunca são interpretados. Amigos, esta cidade não resiste a 10 segundos de comparação REAL com qualquer outra capital da região sudeste. Portanto, se vocês gostam de Belo Horizonte, não demonstrem isso da forma que tem sido feito até agora. Não vistam camisetas que manifestam essa paixão de forma tão acéfala. Amem BH "repudiando" os seus administradores por não permitirem que a cidade desenvolva seu potencial. Repudie nossos administradores por tentarem nos convencer do contrário e por chafurdarem nessa mindframe nefasta do mineiro médio. Não permita que nossos administradores comemorem avanços numéricos contestáveis. Estimule nossos concidadãos a conhecerem realidades diferentes da nossa, em outros estados e cidades. Estimule-os a olhar nossa realidade ao menos um pouco abaixo da superfície.

E não há maneira de mudar isso por meio do voto. Nossa cidadania não é para ser exercida apertando um botão idiota no dia do deboche da democracia. O voto é um ato extremamente imperfeito, porque a maior parte das variáveis relevantes não pode ser observada de forma objetiva pelo eleitor. Nossa cidadania é para ser exercida no dia a dia, com vigilância incansável. Não há outra maneira de mudar a dinâmica subjacente ao sistema político. Não será um Câmara de Vereadores formada por 30 Leonardos Mattos que poderá mudar isso. Dada a rede de incentivos existente, não há razão para que uma casa legislativa vote contrariamente aos interesses do executivo. Apenas nós podemos mudar as regras do jogo. Será preciso bater incessantemente nas portas dos vereadores, secretários municipais e prefeito. Não podemos permitir que eles respirem*. Será preciso fazer "cara feia" para todos eles, mesmo para aqueles que parecem demonstrar sensibilidade às nossas questões. Esse nunca foi um problema de sensibilidade. Não podemos esperar por políticos éticos. Não podemos depender da ética.

No dia em que isso se tornar a prática padrão, poderemos colocar as eleições em modo automático, a cargo de um sistema que selecionaria nossos representantes de forma aleatória. Se esse sistema gerasse uma Câmara Municipal formada por 30 furões, ainda assim veríamos políticas públicas eficientes sendo implementadas.

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*E não falo de manifestações de rua que dão um nó no trânsito da cidade (aparentemente, 5 pessoas bastariam para provocar o caos). Não falo de ir às ruas mostrar nossas nádegas. Novas formas muito eficientes de manifestação surgem a cada dia - as redes sociais são apenas uma delas.

sábado, 16 de abril de 2011

O status marginalizado do autista em Belo Horizonte

Primeiramente, é preciso fazer um esforço para reconhecer a natureza, a complexidade, a diversidade e a amplitude das manifestações dentro do espectro autista. A falta desse conhecimento tem resultado em subdiagnóstico, tratamento inadequado, isolamento/exclusão e profunda deterioração da qualidade de vida do autista e de seus familiares. No contexto atual, a PBH não reconhece o autismo como deficiência mental e assim o autista não recebe a mesma atenção. As crianças autistas não têm acesso aos mesmos padrões de tratamento e benefícios que costumam se aplicar aos deficientes. No entanto, há exemplos de outras cidades e estados brasileiros em que o autismo é reconhecido como deficiência mental, e isso tem resultado em um tratamento mais humanitário da situação. O problema em BH não parece ser tanto de falta de sensibilidade, mas sim de pura falta de conhecimento e disposição para adquiri-lo. São 2 milhões de autistas no Brasil, um número maior que o número de portadores de câncer ou de outras deficiências, e a PBH não faz idéia do número de autistas na cidade.

A criança autista depende fortemente de um diagnóstico que, embora difícil de realizar, seja suficientemente precoce para que se dê partida em um processo intensivo de terapias que têm como objetivo realizar o seu potencial de desenvolvimento individual. O período crítico de desenvolvimento parece ser o entorno dos 3 anos de idade, e a partir daí a taxa de desenvolvimento decai até atingir um platô por volta dos 12 anos. Um pré-diagnóstico já deveria ser suficiente para iniciar as intervenções. Diagnósticos mais precisos costumam ser fechados apenas a partir dos 5 anos de idade. Assim, se a PBH depender dos resultados de seu “workshop” genérico para começar a implementar medidas práticas de atenção ao autismo, um número enorme de crianças (e suas famílias) serão condenadas definitivamente ao ostracismo. Há uma série de medidas práticas mais simples que podem ser colocadas em prática com mais rapidez, paralelamente ao debate.

O custo dessas intervenções é alto, mesmo em comparação com outras deficiências, o que também pode ajudar a explicar a falta de iniciativa da PBH. Mesmo as famílias de classe média têm dificuldade em cobrir esses custos. Os planos de saúde cobrem uma quantidade limitada de sessões de terapia, que têm um alto valor individual se forem pagas em particular. Essas famílias também dependem da rede pública para complementar seus esforços. Aconteceu com minha família, mas optamos por desistir do tratamento em um centro de saúde pela péssima qualidade do atendimento.


Inclusão no ensino regular: Unidades Municipais de Ensino Infantil (UMEIs)

Nossa filha estuda na (nova) UMEI Zilah Spósito, que tem estrutura exemplar e equipe comprometida com a inclusão. Mas isso é uma exceção? Sei que há várias outras unidades em construção na cidade, e se todas seguirem o mesmo padrão será um bom avanço.

Houve atraso maior do que 1 ano na conclusão da obra. O projeto original previa início das aulas no 1º semestre de 2010. Na verdade, ainda há trabalhadores cuidando de detalhes externos. As atividades só começaram em março deste ano, mas a Regional Norte chegou a pressionar a escola para que as aulas começassem mesmo várias semanas antes de que as obras internas fossem concluídas, em profundo desrespeito aos funcionários e crianças.

A UMEI Zilah Spósito conta com 3 salas para cada faixa de idade, com 3 professoras “titulares” mas apenas 2 professoras auxiliares, quando a legislação preconiza uma auxiliar para cada sala. A escola está atualmente trabalhando com apenas 2 alunos de inclusão, e ainda assim teve dificuldade para contratar as 2 auxiliares exclusivas previstas em lei. A princípio, dependia-se de uma avaliação técnica, já que, pelas regras da PBH, crianças autistas não têm direito garantido ao auxiliar. (Conhecemos casos de famílias que, sem informação, têm filhos autistas estudando em UMEIs sem o auxiliar exclusivo.) A Regional Norte demorou a destacar os avaliadores para a tarefa, e, creio, a escola recebeu autorização para resolver informalmente a questão, contratando recentemente auxiliares na própria comunidade. As auxiliares são pessoas dedicadas, mas não têm preparo pedagógico. Mesmo a professora “titular” não pode fazer muito mais do que evitar que nossa filha se coloque em situação de risco.

Outro problema com a UMEI Zilah Spósito é a incompreensível ausência de uma linha de telefone fixo e a falta de previsão de instalação de uma, ou mesmo de uma sinalização de que a PBH tem a intenção de fazê-lo algum dia. Imagine-se a situação de um pai de criança especial que não tem como comunicar-se com a escola a quem confia seu filho.

Ao contrário do que a lei preconiza (ver resoluções CNE/CEB Nº 02/2001 e Nº 04/2009, e decreto Nº 6571, de 17 de setembro de 2008), a PBH não faz adaptação de material e de estratégias pedagógicas para incluir o aluno especial no processo de ensino. Tememos que, se não formos agressivos o suficiente em nossas reinvindicações, nossa filha não será alfabetizada na rede pública, mesmo que tenha este potencial. No contexto atual, o aluno de inclusão está no ensino regular apenas para fins de socialização, o que, além de pouco, é francamente contrário ao que está previsto em lei.


Lazer e reabilitação

Faltam espaços públicos com opções de lazer mais estruturado e educativos, de boa qualidade e melhor distribuídos ao longo da cidade. A melhor estratégia de atuação sobre a criança autista é submetê-la ao maior número e diversidade possível de experiências sensoriais, e BH, em nosso conhecimento de algumas outras capitais do país, é um dos piores exemplos nessa questão.

Faltam centros públicos de reabilitação que possam ser utilizados pelos usuários da saúde pública municipal, com preferência para crianças especiais. Nesse contexto, o status marginalizado do autismo é mais um problema. Sabemos existir um centro de equoterapia, mas a demanda é altíssima. Existe consenso científico de que crianças autistas encontram enorme benefício nesse tipo de terapia, superior ao que existe para outras doenças e deficiências. No entanto, os autistas são posicionados no fim da fila de espera. Em geral, sequer são direcionadas para ela.

Faltam políticas públicas para autistas adolescentes e adultos, como preparação e inserção no mercado de trabalho (para os que têm esse potencial), atividades de reabilitação e casas de repouso que possam abrigar autistas.

Atenção à saúde

Há um número muito limitado de equipes de saúde de natureza multidisciplinar voltada para as terapias de intervenção precoce de que a criança autista depende para realizar seu potencial. Essas equipes em geral são formadas por profissionais sem experiência com autismo. As técnicas utilizadas às vezes são controversas entre os especialistas, e nem sempre são as mais adequadas para cada criança. O atendimento é mal distribuído pela cidade, o que significa que as crianças podem ter que se deslocar por distâncias mais longas, mesmo dentro da própria regional. Agravando o problema, os autistas não têm acesso ao “passe livre” do transporte coletivo, o que leva muitas famílias a desistirem das terapias.

A freqüência oferecida para as terapias está terrivelmente abaixo da mínima necessária para o autista. Sessões de terapia ocupacional e fonoaudiologia em geral acontecem quinzenalmente, quando a freqüência ideal é 3 vezes por semana. A justificativa do “pouco é melhor do que nada” é particularmente cruel para o autista, e há pesquisadores que defendem que prejudicam mais do que ajudam.

Pediatras costumam não ter preparo para fazer a identificação precoce de sinais de alerta que deveriam levar à avaliação neurológica mais detalhada. É comum atribuírem atrasos de desenvolvimento a fatores como excesso de zelo dos pais ou à disfuncionalidade das famílias, ou mesmo negarem a existência desses atrasos sob o argumento genérico, desqualificante e oportunista de que as observações dos pais são exageradas.

Há má distribuição dos recursos de tratamento ao longo da cidade. Os CERSAMIs não podem ser acessados por usuários de certas regionais. A maior parte dos pais de autistas não recebem encaminhamento para ou mesmo fica sabendo da existência do Ambulatório dos Transtornos de Desenvolvimento do Hospital Infantil João Paulo II, onde poderiam ser atendidas pelo psiquiatra infantil Dr. Walter Camargos Jr., dos mais experientes brasileiros em autismo. Parece haver informação privilegiada e orientação para que o acesso à informação seja dado apenas em casos muito específicos.

(Des)informação

Falta informação para os pais de crianças autistas: sobre a síndrome, sobre as terapias, sobre as expectativas que lhes são lícitas manter e sobre as enormes incertezas envolvidas tanto no tratamento quanto no futuro do autista em idade adulta.

Pais de autistas em BH sentem-se terrivelmente isolados. Não conhecem casos similares em seus centros de saúde ou nas escolas. Não têm com quem trocar experiências e receber apoio mútuo. Não contam com profissionais qualificados e interessados nesses centros com quem conversar a respeito. Recebem apenas um diagnóstico que não entendem e um encaminhamento para terapia que não sabem para que serve. Enquanto na rede particular de saúde discute-se um problema de sobrediagnóstico, na rede pública em BH parece haver um sério problema de subdiagnóstico de autismo, com crianças sendo tratadas de forma inadequada.

Há falta de orientação adequada da assistência social para eventuais benefícios a que a criança autista se qualifica. O descaso é tão grande que é fácil supor que haja um esforço coordenado de desinformação para evitar que famílias necessitadas tenham acesso a esses benefícios. De todo modo, no contexto atual, o autista não tem acesso a vários desses benefícios, como, por exemplo, o já referido “passe livre” do transporte coletivo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Escola pública: meu medo é infundado?



Moramos em Belo Horizonte. Fui aconselhada pelo psiquiatra da minha filha, Dr. Walter Camargos Junior, a matriculá-la em uma UMEI (Unidade Municipal de Educação Infantil) e solicitar uma auxiliar, para que ela não sofra bullying e, também, para que não fique excluída das atividades. A prefeitura nos designou (sim, porque aqui não nos é dado o direito de buscar uma vaga onde quisermos) uma unidade nova, que parece muito boa, mas que fica em uma área de grande risco social na cidade (“barra pesada”). Temos medo de entrar e sair da região.

Minha filha não fala, ainda não foi desfraldada, não se comunica por gestos, não tem noção de perigo/propriedade/privacidade, nos usa como escada ou ferramenta, sua forma de comunicação é nos levar onde quer ou chorar e temos que "advinhar" quais são suas necessidades (quase sempre as antecipamos, para que não haja estresse), costuma ter ecolalia tardia ou imediata, como não consegue manter o foco tem dificuldade para se alimentar sozinha (ela se distrai e deixa o alimento de lado) ou realizar qualquer outra atividade em que ela não tenha um interesse profundo e quase não atende a comandos.

Ela é bastante carinhosa com a família e até beija e abraça crianças estranhas (o que me causa um certo constrangimento), não se auto agride e suas crises de birra são passageiras, bastando mudar de ambiente ou afastar o agente desencadeador.

Soube através da coordenadora pedagógica da escola que ela irá frequentar que não é praxe da prefeitura liberar “automaticamente” a auxiliar para autistas (o seria apenas para crianças com dificuldade de locomoção) e temo que a situação chegue ao extremo de nós (eu e o pai) termos que procurar os órgãos competentes (i.e., a justiça) para que ela possa ter essa facilitadora, como preconiza o MEC.

Não quero que a minha filha seja apenas um mascote ou um empecilho ao avanço das outras crianças. Não a estou colocando na escola para ter mais tempo para mim. Quero que ela seja inserida em um núcleo, além do familiar, e que de algum modo faça parte da sociedade, seja alfabetizada e consiga ter uma vida mais próxima da realidade que for possível e algum nível de autonomia.

No momento, estamos priorizando o tratamento seriado de qualidade, o que torna inviável mantê-la em uma boa escola particular e ainda custear uma facilitadora.

O choque cultural também me preocupa. Ainda que minha filha não fosse autista, ela ainda poderia ficar deslocada na escola que irá frequentar, já que a realidade das crianças com quem irá socializar é bem diversa da nossa.

Tememos que ela assimile os piores aspectos do ambiente. Recentemente, ela aprendeu a rosnar, com o irmãzinho de 9 meses que está começando a imitar os sons dos bichos e o da vez é o leão.

Não sabemos nem ao certo o que pensar. No mínimo, estamos pensando em não mandá-la para a escola enquanto a facilitadora não for garantida.